domingo, 25 de dezembro de 2011

Despedida


Queria começar sendo otimista e dar, além do apoio, meu imenso amor, mas não posso tirar de você o direito de saber a verdade: estou frágil como aquela folha de papel-bíblia que compramos juntos. Ela era sem vida e precisava ser manuseada com cuidado para que não perdesse a suavidade que tinha num simples toque. Lembro que essa folha foi motivo de discussão (como tantas outras que tivemos) e eu acabei rasgando de raiva aquele papel que parecia, naquele instante, mais importante do que eu.
Então, sobre mim/sobre nós, eu não posso criar mais expectativa e inventar mais histórias que nunca sairão do meu pensamento. Lembrei-me daquela outra vez em que prometemos não mentir um para o outro nem para nós mesmos, pena que só consigo cumprir a promessa com você. Passei a não me importar com minha mentira pra mim mesma. Depois de um tempo, como você costumava dizer, elas viram verdade.
Sei que agora você está precisando de força. Não é fácil encarar a morte de perto e fez isso com uma destreza mortal, se me permite dizer. Nesse momento, não tenho muito que dizer para te confortar; acho que nem eu posso me confortar. Só estou feliz por você estar melhor depois da tragédia. Perder alguém que ama muito é difícil, eu sei, mas você irá superar.
Acha que essas palavras serão suficientes para não me detestar mais depois de tudo o que permiti acontecer? Não quero perdê-lo, mas já perdi. Perdi a mim e a você. Perdemos nós dois: nossa história acabou quando eu escolhi você a mim.
Por hora, apenas, sentirei saudades.
Sempre sua.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Bodas de Madeira pra nossa amizade


Mayara, nem sei como começar isso... De verdade, o que eu disser você estará cansada de saber. Mas só pra  lembrar não custa nada, não é?!


O tempo passou bem depressa. Paro pra pensar e me arrependo de quando dizia que queria ir logo pra faculdade e sair do CEFET. Não sabia o quanto faria falta te encontrar todos os dias e conversar sobre tudo e todos. Realizar trabalhos com você, participar de maneira conjunta da construção de nossas vidas, abraçar, rir e chorar, de se olhar e não precisar dizer mais nada...
Tantas boa recordações... Seguimos com nossas vidas, é claro!; não podemos parar no tempo e reprisar os bons momentos, temos que ganhar cada vez mais espaço no caminho que escolhemos. 
Eu sei que a saudade dói bastante, mas sei que só de saber que passei momentos tão belos e felizes ao seu lado já me satisfaz. Porque ser sua amiga é bom, é enriquecedor, é encorajador... Isso porque você é única. Aquela história de que jogaram o molde fora é real com você. Jogaram seu molde fora e hoje procuro você nas pessoas, mas logo lembro de que você já existe e é inigualável! 
Nem sei como dizer, mas com você aprendi a me magoar e crescer com palavras duras (não entendia porque minha mãe falava/fala tanta coisa que magoa, mas, depois que te conheci, vi que era porque me amava). A cada euteodeio respondido a um euteamo eu sabia que era a resposta certa para a amizade que tínhamos. A amizade que temos!
Enquanto as pessoas acham que eu ou você não temos opinião e que seguimos o que uma ou outra diz ou pensa, é exatamente o contrário: nos respeitamos. Respeitamos quem somos e o que somos e por isso a cumplicidade dá certo. Enquanto as pessoas acham que você é dura demais, não sabem o quanto eu cresci como pessoa estando ao seu lado e tomando os banhos de água fria pra amadurecer. Engraçado é que nos sentimos tão adultas, mas nos descobrimos tão crianças inexperientes para a vida!
Bem, parafraseando Drummond: eu te amo porque te amo e tu me odeias porque me odeias!
Simples jeito de levar uma amizade verdadeira adiante: sinceridade, cumplicidade e respeito.
Parabéns a nós duas por estarmos 5 anos juntas!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Outono Imortal - 6


Acorde-me quando o outono acabar - Final

Peço que entenda: minha dor não é material, é espiritual; meu rancor não é pelo material, é pelo espiritual; não sofro por não ter algo e, sim, por não ser, por não ter forças para acender minha luz – exceto essa vela que queimou por duas míseras horas – e ser reconhecida pelo meu brilho, por isso, eu sofro e me silencio...
       Não tente me acordar quando o outono acabar, pois agora tenho asas e voarei livre para qualquer lugar a qualquer hora. Buscarei sonhos e vou agarrá-los com tanta força que não escaparão.
       Quero vocês vivendo até o último momento uma vida intensa e sem sofrimento. Joguem a raiva e a incompreensão num buraco negro que sugará com imensa vontade aquilo que lhe faria mal. Quero muitas coisas para vocês. Algumas não poderei dar, então terão que correr atrás. Queria muitas coisas para mim, mas nenhuma veio como prêmio, exceto a morte.
       “Mãe, eu gosto quando as coisas terminam bem, mas nem sempre posso me permitir ser sonhadora.”
       E agora, meu coração bate acelerado, a voz embarga e as mãos estão trêmulas... No inverno branco do meu quarto, ouço o bater de asas procurando um raio de sol... e, pela última vez, o adeus do pássaro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Outono Imortal - 5


Acorde-me quando o outono acabar - Parte um
       Acabei locando a sala neste sábado quando houve um apagão. A vela queimou completamente durante duas horas e apenas o silêncio falava. Na verdade, o silêncio gritava verdades ensurdecedoras ao meu ouvido. Enquanto admirava a chama da vela, lembrava-me das minhas palavras de outrora. Escrevi a literatura-vida nessa última semana, espero ter sido boa companhia.
       O vento entrava pela janela, mas não era capaz de secar o rosto molhado pelo percurso das lágrimas. A dor que fazia o pranto rolar em minha face era muito mais forte do que o vento que conseguia apenas levar folhas secas para outros terrenos.
       Avistei a imagem de braças abertos à minha frente e notei que recebia um abraço consolador daquele que nem acreditava, mas admirava a filosofia, ele era o único que sempre esteve comigo nas horas de solidão nessa casa. Suas mãos perfuradas eram como as minhas, calejadas pelo lápis tanto usado.
       Eu não quero mais ser hipócrita! Usar máscara todos os dias me fez perder a identidade e, agora, sofro por não saber quem eu sou. O sistema me engoliu também, mas sou fraca para suportá-lo. Ele está asfixiando-me, mas não sabe que estou morta e só restou essa carcaça oca que desmorona facilmente.
       Uma vez li que o pior silêncio não é o da morte, mas o da vida. Estou baixando o volume da minha existência, logo irá ficar mudo. Não me desespero com o silêncio...
       “Não há mais sopro de vida”. Desacelerei meus passos e minha mente e corpo não aguentam... irei partir... para sempre...
       

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Outono Imortal - 4


Só rezo para que acabe bem
De volta ao pior lugar do mundo, em meio a cálculos e textos mais compreensivos do que minha mente, descobri a razão de tudo não fazer sentido. Já tinha calculado várias expressões numéricas, equações de 1º, 2° - sei lá quantos – graus, equação de Kirchoff entre outras, mas nada havia deixado tudo tão claro em minha mente como minhas olhadelas para a árvore lá fora.
       “Os números complexos são simples. Todas as incógnitas tem solução. Entre análises temporais e espectrais, seu cérebro trabalha em todas as frequências. Os ângulos da vida também podem ter senos, cossenos e, principalmente, tangentes”, a árvore me dizia.
       Olhei todos mais uma vez naquela sexta-feira, cada rosto escondido, cada história camuflada. “Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa que é preciso ser guarnecida por uma escolta de mentiras”, com certeza Churchill tinha razão. Vivemos em um mundo de guerra – social, pessoal, mental -, eis aqui a explicação de nossas “doces” palavras. A aula terminou!
[...]Toda a mecanização social precisa ter um fim, precisamos nos humanizar. Eu comecei a sentir, você precisa também.
       Sem a máscara, mas ainda prisioneira, eu escrevo e seguirei escrevendo até minha mão sangrar e suas mentes estarem livres, e seus rostos poderem sentir o sol, e seus corpos voarem...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Outono Imortal - 3


Sentindo falta do que (nunca) se teve
Só percebemos que estamos sozinhos quando não nos falta palavras, mas alguém a quem dizê-las ou quando fechamos a porta e esperamos que ela seja aberta por alguém. Percebi que estava sozinha quando a saudade matou qualquer resquício de felicidade. Sentia saudade do cheiro, do colo, dos risos e das gargalhadas. Sinto que mesmo rodeada pelo mundo, estou só...
[...]Talvez eu sentisse saudade do tempo que deixei passar, pois todos mudaram menos eu. Minha família e meus amigos cresceram com o tempo e eu me agarrei num caminho sem saída e sem futuro, por isso, permaneço parada. Minha imobilidade para viver faz-me sentir saudade do tempo que eu corria livre contra o vento.
[...]Eu começava a perecer... sonhei e não foi bom, pois a vida não estava boa. Buscava uma máscara, mas não havia nenhuma, todas haviam quebrado em mil pedaços e monstros surgiam por trás das máscaras. Éramos todos monstros consumidores de vidas alheias. Com um olhar podíamos absorver energia vital de outras pessoas. Eu sentia medo e tentava fugir, mas estávamos presos numa teia social e não podíamos nos soltar a menos que nos jogássemos num buraco sem fundo. Saltei e dei meu último voo. E, assim, virei um pássaro e voei direto para o nada... Voei livre! Sim, eu caí, mas a minha sensação de liberdade me fez ser uma fênix que ressurgiu ao toque do despertador.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Outono Imortal - 2


Todos os defeitos de uma vida perfeita
Eu só queria tirar a angústia do peito. Gritar e fazer com que me livrasse da tristeza que assola vez por outra minha vida. Sei que nada é perfeito, principalmente os caminhos que se tem para seguir. Mas, mesmo assim, só queria voltar a acreditar em mim.
[...]Devem querer saber quais os reais defeitos da minha vida. Simples: a vida que é para ser vivida está desfalecendo antes de nascer. O rancor em nossas palavras é um reflexo de nossa tristeza que obscurece a mente. Tudo o que eu entendo sobre família foi levado pelo vento do outono, como folhas secas carregadas pela ação natural da vida. E agora nossa árvore está nua e durante o outono nenhuma folha nasce... A fachada da minha instituição pessoal está suja e falida. Como vou viver assim? A vida segue, ou melhor, as horas passam, mas eu parei no tempo.
[...]Descreveria toda minha vida e deixaria que desse sua opinião se ela é ou não ruim. Mas tenho a certeza de que, independente da resposta, ela é monótona. Todos os dias são hermeticamente iguais. Cada passo, cada palavra e até mesmo os choros e angústias; também sou robotizada! Eu, assim como você, sou expectadora na minha vida.
[...]Se nosso mundo fosse tão perfeito, seríamos simplórios demais. Haveria apenas duas possibilidades: o certo e o errado, o bom e o mal, a vida e a morte... Mas somos complexos, pelo menos alguns de nós que conseguem ver além da máscara, além do além, além do rosto na capa da revista, aqueles que realmente percebem que o horizonte não tem fim. Toda essa complexidade nos torna seres que podem ser mais do que nós mesmo nos propomos ser. E, desse modo meio complexo de entender, a vida se torna imperfeitamente perfeita, porque evoluímos com seus defeitos, com seus buracos negros que nos sugam aos poucos, mas que nos fazem perceber que ainda estamos aqui e que ainda temos tempo para evolutivas realizações. [...]mesmo perdida nesse vazio da vida, minhas palavras serão minha voz no silêncio...
E a brisa gelada continuou a bater levemente. Meu outono.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Outono Imortal - 1


Água dissimuladamente transbordada

[...]A sirene soou. Os escravos estavam livres do trabalho e voltariam para suas senzalas pessoais. [...]Todos eram ao mesmo tempo carrascos e prisioneiros. Carrascos em vidas alheias e prisioneiros em sua própria.
E eu? Sou apenas expectadora.
Talvez uma expectadora que preferiu se calar diante das injustiças e frustrações. Durante muito tempo fui carrasco; daquele em que a pessoa treme só de ouvir o nome. Eu não mudei, na verdade fui mudada, não pela vida, mas pelas pessoas. Sim, ainda sou prisioneira, porém, não da vida, mas da mente que se trancou e me aprisionou...
Porque não foi a vida que me endureceu?! A vida não endurece as pessoas, pois elas que comandam seus caminhos. As pessoas endurecem as pessoas, pois elas não podem ser controladas.
Devem estar se fazendo muitas perguntas sobre mim.[...]
Sou uma garota comum, mais comum do que você pode imaginar, e isso deveria assustá-lo! Não tenho amigos porque me afastei deles; as pessoas quase não ouvem minha voz porque prefiro me calar a provocar mais uma grande confusão; tenho três irmãs e pais separados – não disse que eu era mais comum do que você imaginava? - e, no final de tudo, sou sozinha...
[...]Vocês devem estar achando que eu procurei a solidão. E estão certos – como diria ... “triste constatação” - mas não conseguem sentir o que eu sinto quando o galo canta e o sol nasce, por isso não irão me entender.[...]Sinto-me covarde, porém, sei que a tristeza me matará lenta e dolorosamente. E, no final, minha voz silenciada será ouvida em meus versos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sem nada para fazer

Acordei e estava, mais uma vez, só.
Li algumas coisas e descobri que as únicas companhias nos últimos tempos eram o café e um livro.
A casa estava revirada: roupas jogadas, cama desarrumada, pratos para lavar, uma pequena bagunça na sala.
Não havia nada de errado comigo, apenas sabia que naquele momento o que mais importava era aproveitar o ócio e deixar que as horas seguissem sem pressa.
Tinha esquecido como era bom estar no lar e vê-lo tão perto de mim, intrinsecamente ligados pela sensação de paz que invadia nossos cômodos.
Continuei deitada no sofá. Lia, sorvia goles de café, inspirava e deixava a ociosidade invadir cada vez mais fundo, expirava e o sorriso percorria os lábios.
Não pensei em fazer mais nada além de ficar sem nada para fazer.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Borboletas na janela"

Elas voam sem direção. Vem de algum lugar desconhecido. Encaram aquele disco giratório fatiador de insetos e, sem medo, se atiram sobre ele. O disco, por sua vez, insiste em tirar-lhes a vida, mas hora ou outra tendem a sobreviver e ressurgem num caminhar de passos mais lentos do que o normal. Antes voavam, agora caminham. Colocam-nas de volta nas janelas esperando que reaprenderem a voar da mesma maneira que reaprenderam a viver depois de fatiadas no disco giratório.
São jovens e pequeninas. Atiram-se sobre qualquer coisa que chamam atenção. Sua expectativa de vida é de poucas horas, dois dias no máximo, mas elas querem experimentar aquela sensação do perigo. Enclausuradas por quase toda uma vida, quando soltas na paisagem querem dar shows de exibicionismo. 

Um circo de horrores!
Pobrezinhas!
Caem aos montes naquela sala onde, ao invés de se estudar comunicação, estuda-se a ação suicida das borboletas.

Trabalho (IN)digno


Eles trabalharam mais de um mês de graça e ninguém se disponibiliza a fazer nada para mudar essa situação.
Eles pagam suas passagens de ônibus e sua comida para continuar trabalhando e ninguém se disponibiliza a fazer nada para mudar essa situação.
Eles limpam o que os alunos fazem questão de sujar sem tomar consciência da podridão de suas almas e ninguém se disponibiliza a fazer nada para mudar essa situação.
Eles têm famílias para cuidar, filhos para alimentar, contas para pagar, vida para seguir e não receberam seu salário de setembro ainda e ninguém se disponibiliza a fazer nada para mudar essa situação.
São eles que levam adiante a limpeza de nossos banheiros, dos corredores, das salas e não recebem mais para isso e ninguém se disponibiliza a fazer nada para mudar essa situação.
O medo oprime, reprime e cala os trabalhadores.
“Eu posso ser demitida, mas quero sair daqui lutando pela minha dignidade”, aos prantos o trabalhador revela suas condições, mas, hoje pela manhã, sua voz foi silenciada. Talvez amanhã já não esteja mais empregado.







Vetada a filmagem do vídeo com os trabalhadores da terceirizada da UFAL.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Não são fogos de artifício


Não era natal nem ano novo nem São João, mas todos corriam e se aglomeravam em volta de algo.  Escutei quatro estampidos que pareciam estar perto e ouvi as crianças que brincavam na rua gritarem, assustadas. Não sabia o que era. Fui até o portão e lá observei pessoas vindo de todos os lugares, as pessoas desciam dos ônibus e paravam junto às outras, vinham de bicicleta só para olhar o que os outros olhavam. Continuava no portão.
As crianças que antes corriam assustadas voltavam e vinham outras acompanhadas de suas mães. A curiosidade movia aquelas pessoas. Eu fui movida por ela e comecei a caminhar. Seguia, a passos lentos, o caminho que antes elas traçaram. Pessoas cochichavam segredos, verdades, sonhos... a vida em sussurros aos poucos era revelada. Minha antiga profissão me ensinou a escutar tudo e todos, observar tudo e todos para desvendar o que realmente acontecia por detrás das máscaras das mentiras.
Tinha tanta gente em volta que não sabia ainda o que poderia ser, mas fazia ideia por experiência de vida. Cada vez mais as pessoas vinham, cada vez mais as crianças vinham. Uma mãe e sua filha pararam do meu lado, a primeira não aparentava mais que 20 anos, a menor, cinco no máximo. A menina comentava: “Foi daqui que saiu os fogos, mamãe?”, a mãe balançava a cabeça num sinal positivo sem dar muita atenção.
Não pude ver o corpo que jazia no asfalto. Depois de ouvir tudo o que diziam, eis seu perfil biográfico: senhor de 40 a 50 anos, loiro; apelido: Alemão; estava sentado na calçada quando foi atingido cinco vezes, uma no peito e as outras na cabeça; tio de alguém que chorava entre a multidão. A polícia não chegou logo. O IML não se importou em se apressar. Cinco minutos depois de ser atingido, ainda respirava lentamente e as pessoas ao redor gritavam: “Chama a SAMU!” e continuavam a olhar sem mover sequer um músculo, além do coração.
Quanto a menina e sua mãe, escutei um último diálogo: “Sabe o que aconteceu?”, a mãe perguntava à uma outra mãe que também estava ali com sua filha. Quem respondeu foi a menina de cinco anos que gritava para sua coleguinha: “Não foram fogos. Foram tiros...”.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A imaginária vida de Anne


Eu sabia onde estava. Eu estava no vazio da mente. Depois de um longo tratamento, me libertei das grades ilusórias que não me permitiam ser quem eu realmente sempre fui: Ana, T.G. e Tatiane. Naquela sala, através da janela, eu as vi sorrindo para mim, mas cada vez que eu piscava me distanciava mais delas. Eu as tinha guardado na mente. Eu vivia dentro da minha mente.
T.G. minha personagem da vida adolescente que imaginei viver.
Ana minha personagem da vida jovem que imaginei viver.
Tatiane minha personagem da vida envelhecida que imaginei viver.
Eu, dentro da minha vida imaginária, era todas elas em cada fase da existência. Minha infância me calou. Estou calada. Mas minha imaginação vive dentro de mim. Sou um mundo, um universo intangível dentro da mente.
Ainda estou em tratamento na clínica psiquiátrica. Meus pais sucumbiram à minha doença e abdicaram suas responsabilidades. O médico é legal. As enfermeiras são legais. Têm outras crianças aqui também. Eu ainda não escrevo. Vivo imaginariamente minha vida. E, durante a análise, conto minhas histórias.
Talvez, quem sabe, eu posso ser cada uma das minhas personagens e viver aquilo que elas viveram. A vontade de escrever, de ler, de sentir prazer, de ter amigos, de tomar café compulsivamente e fumar (como as enfermeiras daqui), de envelhecer sem ter filhos, de ter todos os problemas que elas tiveram, é, talvez, eu até queira isso para mim.  Mas por hora, observarei apenas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A imaginária vida de Anne


Minha morte. Envelheci sozinha e morri da mesma maneira. Não foi fácil. Um processo doloroso, mais doloroso do que a morte em vida que sofri durante metade da minha história. Doeu saber que não escreveria mais, não leria mais, não respiraria mais. Doeu perceber que daquela doença não tinha como escapar, talvez nem quisesse realmente. Quando se está cansado, aceitamos o que vier.
O hospital deu total assistência. Era próprio para alguém que tinha câncer. Todos os dias vinha alguém me dar carinho e amor que eu, finalmente, sentia pela simples presença das pessoas. Alguns me ajudavam lendo romances, contos, crônicas, poesias. Eu prosseguia observando tudo.
O corpo não aguentava tanto como a mente. Ela sempre fora mais forte do que ele, no final eu percebi. De madrugada, eu sentia mais dor. Era um incômodo estar na presença da morte e ter que esperar a hora certa daquilo tudo acabar. Os remédios não adiantavam mais, porém, se eu dissesse isso aos médicos eles tentariam amenizar minha dor. Eu não queria amenizá-la, queria partir.
Num dia chuvoso, com raios e trovões, eu gemi alto de dor, sorri, fechei os olhos e parti. Minha morte fez-me voltar a enxergar aquilo que realmente sempre fui.

domingo, 9 de outubro de 2011

O Vale II

"O pulso... está... Ela ainda vive!".
Ouvi uma voz desconhecida. Parecia-me alegre. Havia tantas almas perdidas ali que poderia ser de qualquer um. Avistei uma garota que tinha mais ou menos minha idade. Tinha olhos claros, pele clara e cabelos ruivos e longos. Agonizava mais do que os outros, apenas eu me mantinha quieta e pacífica no VALE. Não sabia o nome dela e a apelidei de Clara. Gostava daquele nome. Clara debatia-se imersa na lama. Não tinha voz, mas seus olhos gritavam e seus lábios grunhiam a dor que sentia. Clara sofria mais do que todos porque ela não pertencia completamente àquele lugar.   

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A imaginária vida de Anne


Minha velhice. Não casei. Não tive filhos. Não tive netos. Envelheci sozinha. No mesmo apartamento. Trabalhando para a mesma editora. Eu continuava a mesma com algumas rugas a mais, algumas rusgas também. A família foi morrendo aos poucos como toda pessoa que fecha um ciclo de vida. Novos familiares foram surgindo, mas não os conheci. Não voltei à clínica, não voltei aos remédios, não voltei ao terapeuta. Afinal, depois de tantos anos a gente aprende como viver sozinha sem precisar da ajuda de ninguém.
Adoeci várias vezes. Tenho problemas estomacais desde a juventude. Tomar café, e só café, por um dia inteiro tem consequências. Voltei do hospital com o último exame. “Câncer no estômago”, falei alto e aquilo ecoou pela casa toda. Não procurei amigos nem família, sempre estiveram ocupadas demais com suas vidas, suas histórias.
Não tinha o que reclamar sobre esse fim. Eu, depois de tudo, vivi. Aprendi a viver na verdade. Não reclamo da infância, da adolescência, da juventude nem mesmo da velhice com problemas de saúde. “É. Enfim, eu sou doente”, disse sorrindo. Nunca quis envelhecer. Não tinha pretensão de chegar à velhice. Estou aqui. Criei muitos personagens, escrevi muitas histórias. Escrevi minha história. Minha velhice fez-me contar a minha grande verdade: sou doente.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Vale

Andei o mais que pude para longe da lama que cobria almas desencarnadas, porém, não tive sorte. A morte amiga já havia debruçado-se sobre mim. Não chorei nem gritei, apenas andei para longe sem notar que estava no mesmo lugar.
Se antes o que me incomodava era o meu sofrimento, agora, os lamentos sôfregos não me deixavam ter paz. "Paz", então é isso que se sente depois de partir? Não!, é aí que eu grito.
Não!, reafirmo numa voz estridente. Não é desespero, é desesperador estar aqui e ouvir aqueles lamentos...
Arrancaram-me a vontade de viver, no entanto, eu deixei que a vida escorresse pelos pulsos que não mais pulsam.

O lobo

Quando o vi, estremeci.
Era grande, olhos vermelhos, expressão de fome (de vingança?), mandíbula entreaberta e uma mordida pesada e doída. Seus dentes quebravam ossos, rasgavam músculos como papeis, penetravam almas. Suas garras abraçavam a presa e as unhas cravavam autoridade sobre a pele.
Mais uma vítima dentre tantas outras.
O animal não parava, não dormia, não deixava sobreviventes. O animal destruía o corpo, a alma, a voz. O animal não se importava com sexo, religião, etnia ou idade.
Eu tinha medo de que chegasse minha vez.
Não percebi que suas garras haviam aprisoado-me. Ele chegou lento e me abocanhou. Tentei lutar, mas se corresse ou ficasse talvez nem fizesse diferença. Fechei os olhos e, quando abri, "MEU DEUS!". Aquele animal não era diferente de mim.
O homem animalizou-se e é "lobo do homem".

domingo, 2 de outubro de 2011

A imaginária vida de Anne


Minha juventude. Eu passei pela clínica psiquiátrica, não morei. Quando saí de lá, assinei contrato com uma editora que, inacreditavelmente, lia minhas histórias e gostava. Morava num apartamento de um quarto, sala, cozinha e banheiro, uns diriam: quitinete. Morava sozinha. Não tinha amigos, apenas conhecidos. Não saía de casa com frequência, mas ainda tinha que fazer terapia e usava medicamentos para dormir.
Não sou doente”, repetia pra mim todos os dias na esperança de que aquilo se tornasse uma de minhas verdades inventadas. Conheci algumas pessoas, reencontrei outras, beijei homens, beijei mulheres, fiz sexo, namorei, bebi, parei com a terapia, parei com os remédios e comecei a viver por minha conta. No final, minha mentira se tornou uma verdade como planejado. Sou formada em jornalismo, umas das profissões da infância, exerço a profissão escrevendo. Apenas escrevo.
Para criar histórias, observo as pessoas. Seu jeito de caminhar, de falar, de gesticular, de olhar. Observo o mundo. Observo a natureza. Observo minha família. Observo os amigos que conquistei (poucos, aliás). Observo os animais. Observo tudo. Enxergo a vida através da janela do meu quarto.
Minha juventude fez-me aprender a viver. Aprendi a sentir muito mais do que a dor da prisão ilusória da mente.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A imaginária vida de Anne


Minha adolescência. Eu já não vivia. Seguia. Seguia os passos das outras pessoas porque não sabia o que era a vida realmente, não sabia como vivê-la. Não me ensinaram a ouvir, olhar, falar... acho que nem a sentir. Não sentia nada além da dor de estar encarcerada dentro de mim.
Quem pode nos ouvir quando não falamos? Quem pode nos enxergar quando não enxergamos a nós mesmos? Quem pode falar conosco quando todos tinham que seguir suas vidas para alcançar o topo de suas histórias? Eu não existia realmente (nem sei se hoje existo). Robotizei-me como qualquer um faz quando repete as ações muitas vezes. Eu repeti a mesma mentira pra mim e ela se tornou minha verdade. “Você não existe. Faz parte da sua imaginação como todas aquelas histórias da infância”.
Aprendi a escrever. Fui obrigada. Frequentei uma clínica psiquiátrica e lá me disseram que alguma coisa eu deveria fazer para me expressar. O quê? Passei a ler, ler e engolir palavras, frases, histórias, vidas, personagens... Passei a ler e escrever. Transcrever, primeiro, aquilo que lia e depois de muito tempo eu criava personagens e aquelas palavras engolidas foram regurgitadas e formavam histórias, minhas histórias. Minha adolescência fez-me voltar a imaginar e eu comecei a minha história.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A vida imaginária de Anne


Minha infância. O que me lembro? Como eu era? Começo a ver alguns de meus passos... Eu era pequena, frágil. Chorava por tudo e sorria pelos mesmos motivos. Eu dançava. Eu cantava. Eu lia. Porém, não escrevia. Não gostava de escrever histórias, gostava de vivê-las. Vivia histórias épicas, modernas, brincava sozinha, acompanhada, tinha filhos, era casada, fui professora, fui advogada, fui jornalista, mas eu era apenas uma criança.
Minha infância sofreu com acontecimentos trágicos. Eu sofri com acontecimentos trágicos. Superei-os (assim eu digo a todos). A boneca do papai e princesinha da mamãe se distanciava desse cargo cada vez que mais um dia raiava. Eu crescia e deixava de sonhar, de imaginar, de cantar, de dançar, de brincar. As lágrimas se tornaram mais frequentes do que o sorriso. Eu não entendia aquilo. Eu não entendo isso.
Minha infância passou. Ela me calou, amordaçou, tapou minha garganta e cortou minhas cordas vocais. Meus olhos não viam, não conseguiam enxergar e enviar a mensagem do que eu estava vendo para meu cérebro. Não ouvia os sons do mundo lá fora, do mundo aqui fora. Minha infância fez minha mente funcionar mais do que meu corpo.
Calei-me. Tapei os ouvidos. Fechei os olhos. Aprisionei-me nas grades verossímeis paralelas ao real, me aprisionei dentro da mente. Minha infância iniciou minha vida.

domingo, 18 de setembro de 2011

A imaginária vida de Anne


Abri os olhos. Não sabia onde estava. Nunca soube onde estar. Nunca tive um lugar só meu. Além do meu lugar predileto: minha mente, claro. Tudo estava escuro. Tateava e encontrava só o espaço. Espaço entre um pensamento e outro. Espaço entre uma vida e outra. Espaço... Só há espaço.
Lembrei-me da infância, da adolescência, da juventude, da velhice e da morte tão trágica. “Onde estou?”, “O que está acontecendo comigo?”, “Tudo pode ser possível quando imaginado”. Não queria mais ouvir aquilo. Estourava meus tímpanos. Meu ouvido doía. Minha mente doía. Meu corpo... meu corpo? Eu não estava nele, isso eu sabia.
Sempre me imaginei sendo um nada. Mas como o nada se parece? Como saber o que, quem, como, onde, por que eu era? Sou uma personagem? Sou real? Tenho vida? Eu existo? Tinha lembranças... isso é prova de que vivi? Tinha pensamentos... isso é prova de que existi? Eu não sei. Na verdade, nunca sei de nada realmente. Engano-me e os engano dizendo que sou forte, existo, vivo... respiro.
Um nada. Um zero à esquerda, uns diriam. Mas qual é a verdade? Onde ela se encontra? Por hora, agora, nesse instante, nesse vazio, nesse tempo a única coisa que penso saber é que não estava no meu corpo. Estava no vazio. De quê? Eu também sei.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A imaginária vida de Anne


O vidro da janela estava limpo daquela vez. Podia olhar o jardim lá fora. Gosto da natureza. Porém, ali só havia grama. “Quem é aquela?”, apontei para uma mulher sentada com um livro na mão esquerda e um lápis na direita. “O nome dela é Ana”, ele respondeu. Surpreendentemente a ética profissional de não falar sobre seus pacientes não o deteve naquele momento. “Ela está aqui porque sofre não sabendo quem é. Sente-se usada por ela e pelo mundo. Acorrentada entre as personagens que cria e o mundo verossímil”. Apontei para uma menina que também estava no jardim. “Seu nome é T.G. Tem 18 anos e está aqui desde seus quinze. Pediu para ser internada. Sofre por não conseguir ser mais do que ela realmente é. Cansou de pedir para morrer e quis tirar folga de si vindo para cá”. “E aquela outra que conversa com elas?”. Ele contemplou o nada por um tempo. “Tatiane Gomes. Ela vem aqui todos os dias regar”, enfim falou. “Mas só tem grama no jardim”, retruquei. “Quem disse que rega o jardim? Ela rega a consciência das outras”. “Isso é possível?”. “É possível um médico falar de outro paciente para o seu atual?”, esperou que aquilo atingisse fundo na minha consciência. “Tudo pode ser possível quando imaginado”.
Olhei para as três no gramado. Olhei para o espelho que havia aparecido num passe de mágica na minha frente. “Por que isso está acontecendo comigo?”, voltei a questionar. Éramos/somos nós. Costumo me dividir em múltiplas vidas e agora não sabia qual delas viver ou se ainda restara alguma vida a ser vivida. “Tudo pode ser possível quando imaginado”, a voz dele ecoava em minha cabeça que girava em volta das minhas próprias memórias. Olhei pela janela e tudo era mais distante que o natural. Ana, T.G. e Tatiane sorriam para mim, mas cada vez que eu piscava me distanciava mais delas. Eu precisava de café. E mais um cigarro. Eu precisa, na verdade, conseguir (des)escrever tudo aquilo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

M.T.

Você falou em saudades... De como nos entendíamos sem nos entender direito... Quando você falava baixo e virada para o outro lado e ainda exigia que eu escutasse tudo mesmo sabendo que de um ouvido não escuto direito... Saudade você falou/escreveu. É... tem razão. As coisas parecem mais complicadas quando tudo o que conquistamos juntas ficam estáticas - entenda: não ficam para trás, mas presas no tempo.
Eu falo em saudades... De como não discutíamos (aquela vez não contou. O quê? Meia hora sem nos falar? Isso conta?!)... Quer saber... acho que todos devem ter uma ponta de inveja na nossa amizade. Por quê? Ora, a gente não usa máscara para conviver, para nos entender, para conversar de tudo e mais um pouco além.
M.T., prometi ser feliz. Hoje prometo que não vou deixar que a saudade dure muito.




Vou te ligar hoje! 

A imaginária vida de Anne


Amassei mais uma folha de papel. Todas as palavras que nela continham já estavam riscadas ou interminadas. “Como isso está acontecendo comigo?”, nos últimos três meses fazia-me essa mesma pergunta. Não saía de casa na esperança de poder achar alguma palavra dentro da mente e pô-la no papel. Quando vinham me chamar novamente, bocejava e respondia estar cansada e com sono. Cansada de quê? De não conseguir mais fazer a única coisa que me fazia sentir que estava viva? Sono? Não era uma ardência nos olhos de tanto chorar?
A cesta estava tão cheia que os papeis amassados começavam a cair. A casa estava cheia de vazio. O pó dos móveis era minha companhia. As fotos pareciam irreconhecíveis sob as teias das aranhas. Detesto aranhas, por isso, continuava no quarto. Levei a cafeteira para lá e fiz do lugar meu refúgio. Da última vez que saí de casa não me olhei no espelho e não sabia o estado que estava e fui comprar minha droga predileta: cafeína. Ao chegar, me olhei no reflexo do portão. Sorri tristemente constatando o motivo das pessoas tanto me olharem na rua.
“Três meses”, continuava a falar sozinha. Eu gritava, na verdade. “Como isso está acontecendo comigo?” Eu vivia disso. Psicologicamente era minha terapia. Financeiramente, meu sustento. As palavras fugiram, nem elas conseguiram suportar a solidão e a umidade da casa... e a minha. Havia pedido para trabalhar em casa numa maneira de me proteger dos males do mundo e agora descobri que sem o mundo o mal ainda me acompanha.
Não conseguia nenhum manuscrito meu. Fui até minha máquina de escrever predileta que ganhei de presenta da minha mãe depois de garantir o primeiro lugar num concurso de contos, mas foi em vão. No computador foi pior ainda: detesto escrever nele porque a página em branco me assombra. Nem ao menos uma mensagem no celular conseguia escrever. Pensei em gravar meus pensamentos depois que passassem pelos meus lábios, mas calei-me.
Dormi. Acordei. Tomei café. Traguei meio cigarro. Tomei café. Tentei aliviar o corpo num banho gelado e demorado. Porém, o corpo está acostumado com essa vida, mas a mente não. Pensei em voltar a tomar meus remédios. Se eu fizesse aquilo, teria que voltar à clínica. Detesto consultas psiquiátricas. Fechei os olhos, pelo menos assim eu poderia voltar a viver como sempre imaginei que vivia.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Outono Imortal


As folhas são como palavras soltas que caem e viajam durante o vento do outono. Percorrem colinas deixando a essência do verde por onde passam. E, assim como as folhas, que caem no outono, as aves fogem do inverno branco e vão à busca de primaveras veronis.
       Eu queria apenas ser uma ave e fugir desse inverno que chegou e regressar quando a primavera florir. Porém, a vida se assemelha às folhas tocadas pelo outono, pois nunca se sabe quando a chuva e o vento chegarão – para nos levar a viagens inesquecíveis – ou quando fará sol outra vez...
       No inverno branco do meu quarto, ouço o bater de asas procurando um raio de sol... e, pela última vez, o adeus do pássaro.



Versos sazonados
No pôr-do-sol,
No crepúsculo caído,
Nas cores intensificadas,
Nas dores simplificadas,
Nas folhas mortas rasgadas,
Num outono imortal.
Amanda Gomes

No final do arco-íris [5]


Não preciso nem falar que a Beca, é frequentadora assídua da nossa casa sem nenhum receio ou preconceito. Acho que essa aceitação foi muito importante, pois ela era nossa amiga desde o tempo em que o grupo foi formado, e ainda tinha a Vick, a Vitória, outra amiga que nos via sem discriminação.
Talvez tenha usado a palavra errada – aceitação – mas não devo ser hipócrita. Por mais que a gente diga que o homossexualismo é algo que deve ser encarado com naturalidade, sabemos que a sociedade não está preparada para nos receber com essa naturalidade, ela pode apenas aceitar; mesmo que doa ter que ser aceito como se você tivesse uma doença, mas não serei hipócrita em dizer que as pessoas têm, sim, nos aceitado, pelo menos algumas em nosso círculo social.
Enquanto estava em minha fase de rebeldia no colégio, acabava saindo com o grupo de amigas inseparáveis e sempre fazíamos festas em qualquer lugar, precisava apenas ter bebida, é claro! Lógico que fiquei com muitos carinhas e a Duda também, mas no fim eles eram sempre um tédio e não suportava sair com eles por muito tempo. Sempre me enjoei com facilidade dos homens, porém, ainda tenho alguns encontros – a Duda sabe, não se espante! Explicarei de modo simples e claro: eu gosto de sexo clássico (homem e mulher) de vez em quando, por assim dizer. E ela também. Aproveitamos quando tem alguém que não saiba desse nosso relacionamento aberto.
A minha história com homens sempre acabou em choros e mágoas. Eu ficava ressentida por não ter um corpo escultural como das minhas irmãs e ser tão pouco desejada, daí, quando não era eu quem não queria mais, eram eles que me davam um pé na bunda, ou não ligavam depois do primeiro encontro, ou sumiam e apareciam de vez em quando para uma saída rápida no cinema e depois sumir de novo. Era mais interessante para mim quando eu os deixava sozinhos e eles ficavam pasmos por eu não ter mais prazer em seus beijos nem dar uma explicação plausível, mas nem sempre era possível.
Depois da minha fase de rebeldia, chegou a fase depressiva e estressada – eu alternava entre essas duas, às vezes eram as duas ao mesmo tempo. Uma inconstância só! Isso tudo acontecia porque eu comecei a me sentir uma estranha dentro de casa. E não há coisa pior do que você não gostar de estar em sua própria casa.
Mas que coisa doida, não é?
Ali era para ser meu lugar predileto, porém, não era.
Parecia uma prisão.
E eu acabei sendo prisioneira em minha casa, em minha vida.
Isso era triste. E continuou sendo triste quando a Beca não passava mais tanto tempo comigo.
Devo confessar que sou uma pessoa muito dependente. Dependo das pessoas para me sentir feliz, como se elas fossem uma droga. Logo, logo eu estava viciada em alguém, alguma companhia, algum hábito, fosse o que fosse. Eu me viciava. Sempre fui apegada demais a minha irmã do meio, a Rebeca. Ela me compreendia e me ensinava coisas da vida, do mundo, tudo que me importasse ou que importasse a ela, pois logo me importaria. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Trabalhando a (des)informação: sistemas midiáticos e o discurso manipulado

Ouvi bastante coisa no tocante a manipulação do sistema midiático e devo confessar que não foi nada bom. As pessoas têm o hábito de julgar tudo depois de ter visto apenas um pouco da coisa toda. O estereótipo de que jornalista ( e até outros profissionais da comunicação) é o vilão de toda história contaminou, digamos assim, as pessoas onde faço a faculdade de jornalismo. O que me revolta é saber que às vezes as pessoas não veem que não se trata apenas da mídia - e quando eu digo mídia incluo o estereótipo do jornalista vilão - estar fazendo ou não o papel de (des)informar. Na verdade, as pessoas se deixam levar pelo discurso pronto que aparece na TV, no rádio, na internet, nas revistas, no jornal impresso e, com isso, esquecem de que por trás desse discurso, confesso que manipulatório, elas devem ter ainda suas opiniões, suas verdades (porque cada um tem sua verdade), fazer suas escolhas mesmo diante da gama de opções que a própria mídia nos impõem, porém, mesmo assim, nós é que vamos e devemos escolher.
Não sei se estou diferindo dos discursos que tenho ouvido nos últimos dias, mas tenho uma certeza que ninguém vai me tirar: todos ainda fazemos nossas opções e ainda temos que arcar com as consequências. O que me deixa irada é ver que as pessoas depois que entram na faculdade, pelo menos lá eu vejo mais esse tipo de coisa acontecendo, começam a ter um modo de ver onde tudo ao redor está errado e aí começa a culpar todo o sistema midiático que manipula tudo e todos. Não culpo o sistema midiático, nem o sistema capitalista, acho que a questão está tão impregnada na sociedade que ajudamos a construir e por isso não vejo onde esses sistemas citados se encaixam para levar todo o crédito da culpa sozinhos.
O que quero deixar claro aqui é que respeito a opinião de todos que querem culpar, ou não, a manipulação da mídia, mas também quero que saibam: aprendi, antes de entrar para a faculdade de jornalismo, que as empresas que informam, que trabalham propagando a informação são, antes de tudo, geradores de lucro e nós, que somente recebemos a informação, podemos ou não aceitar isso. Eu ainda tenho o controle da televisão, ainda tenho como mudar a estação de rádio, ainda posso querer ler ou não aquilo que aparece a minha frente, como esse post agora. Lógico que falando assim as coisas parecem sempre com duas escapatórias (como numa equação binária) e sei que não é tão simples assim, existe aliás uma complexidade enorme que é trabalhada por detrás de tudo isso (questões psíquicas até), mas, mesmo assim, insisto naquilo que disse no início: estou revoltada com apenas esse olhar voltado para a profissão e profissionais da área.
Acho que para terminar esse "desabafo", se assim podemos considerar, gostaria que todos soubessem que, assim como Paulo Freire, a imprensa, esse sistema midiático de que tanto se fala mal pelos corredores da UFAL, ainda tem um papel importante no sentido de educar. Sim, educar! Através dela podemos ter noção do que a educação significa. Por isso, nos salve, Paulo Freire!

Jornalismo de TV

BISTANE, Luciana. BACELLAR, Luciane. Jornalismo de TV. São Paulo: Contexto, 2008.

De maneira simples e sucinta, as autoras dão uma mostra de como é e como se faz o jornalismo dentro das perspectivas televisivas; utilizando-se de comparação, por vezes, entre as principais diferenças do impresso, rádio e televisivo. A princípio, as autoras se baseiam na própria história do surgimento dos meios de comunicação – conquanto, reservando um capítulo, posteriormente, inteiro para uma descrição mais exata do conteúdo histórico mundial e brasileiro desde os anos 30 até o século vinte um numa análise do que o reflexo das ações, principalmente políticas do regime militar, pode modificar a estrutura dos meios de comunicação - principalmente do tipo de notícia veiculada.
Amparadas, ainda, nos problemas que a televisão vem enfrentando no tocante as críticas da então chamada “imprensa marrom” – termo empregado para mídias sensacionalistas – Bistane e Bacellar contam os bastidores das principais notícias televisionadas dos últimos anos que tiveram uma repercussão acima da média e que os instrumentos utilizados para sua formação receberam críticas de diversas origens sociais e políticas. Ao revelar como se faz uma notícia na íntegra, as autoras nos dão prova da perspicácia do telejornalismo utilizado como publicidade – seja para divulgar ideologia, seja espaço livre com maior audiência comercializado na programação.
Qual notícia deve ser veiculada? Como é o trabalho nas redações de telejornais? Todas essas e outras perguntas são respondidas pelas autoras que mostram o dia-a-dia da composição de alguns telejornais, visto que Bistane e Bacellar têm/tiveram acesso aos principais telejornais em atuação na televisão brasileira.
Por fim, o livro Jornalismo de TV é um instrumento de capacitação para estudantes que queiram participar da mídia televisiva, mas, também, é um aprendizado divertido dos bastidores reais e dos jargões do telejornalismo. Sem medo de errar, as autoras mostram situações que os mais conhecidos jornalistas passaram quando estavam fazendo uma reportagem, que, às vezes, não era apenas diversão, mas investigativo e com muita ação.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um lugar ao sol - fragmento

Ele chegou na hora marcada.
Na verdade, estava antes das 23h30min perto da casa de Anelise.
- Conseguimos – disse eufórico, seus olhos estavam vermelhos.
Entraram no carro e antes que David virasse a chave na ignição, Anelise interrogou-o.
- Você usou drogas, não é? – não esperou a resposta - Dê-me as chaves, David. Eu dirijo.
- Calma aí, cara – virou-se para Ane. – Confie em mim. Vamos conseguir – sorriu. – Amanhã vamos estar longe disso. Vai ser passado, Ane. Só passado.
Ela fechou os olhos. Sabia que estava confiando demais. Porém, voltou ao seu lugar e David ligou o carro. Partiram. Partiram para o desconhecido e para uma mudança em suas vidas...

[...] No carro, Amanda quis saber por que ele escolheu aquele caminho.
- David não iria mais para o interior. Só pode ser por aqui – Thiago tremia. – Espero chegar a tempo de interceptá-lo.
- Pensamento positivo – Amanda tocou-lhe o braço. – [...] Thiago! Ali na frente – ela apontou para o acidente.
Ele acelerou. Saiu do carro aos prantos e chegou perto do corpo que ia sendo fechado no saco preto. Quando viu o rosto não pôde segurar o grito que tinha na garganta.
- Não! – gritou o máximo; extravasou a raiva que tinha. Ficou abraçado ao irmão por algum tempo. Amanda não podia ver aquela cena e andou até a ambulância. Viu o corpo de Anelise inconsciente.

[...] O dia amanheceu nublado.
Os jovens, mais uma vez, estavam reunidos. Clara, Sabrina, Vivian, Jefferson, Dinho, Andrew e Mateus. Estavam lá para se despedir do amigo. Não podiam acreditar que aquilo havia acontecido.
- Vai ser difícil... – Amanda tentava falar, fechou os olhos e deixou uma lágrima cair. – Hoje nos despedimos de um amigo, irmão e filho amado. A dor que sentimos e vamos continuar sentindo não passará rapidamente – fez uma pausa. – A nós, pais e mães, cabe olhar fundo nos olhos de nossos filhos e notar que eles existem e são reais. Demonstrar e sentir esse amor que os jovens insistem em nos mostrar. Não deixem que mais um jovem seja tirado de nós... – ela andou até o caixão. – Adeus, David – colocou uma flor sobre seu corpo.
No cemitério, deram seu adeus definitivo ao amigo cantando sua canção predileta. As pessoas iam se dispersando e os jovens continuavam ali. [...] Clara caiu de joelhos, aos prantos. Sabrina correu até a irmã. Mateus apenas sentou-se em frente à lápide e pôs a última foto da banda Katrine, tirada na festa de despedida. A última apresentação. 
Depois de um tempo, um por um, os jovens foram embora. Mateus tirou uma caneta do bolso e riscou na lápide: SEMPRE ESTAREMOS JUNTOS. KATRINE.

[...] De volta ao cemitério vazio, Clara viu uma garota numa cadeira de rodas que falava como se mais alguém estivesse ali.
- Seus pais disseram que estaria aqui – Clara interrompeu-a e sentou ao seu lado.
Anelise virou a cabeça e sorriu do jeito mais triste. Ela leu o epitáfio: AMIGO, IRMÃO E FILHO AMADO.
- Acha mesmo que ele era um filho amado? – perguntou, mas não esperou resposta. – Todo mundo acha que fiquei triste por estar de cadeira de rodas, mas só estou triste porque David não conseguiu o que ele queria. Ser um filho amado. Assim, do jeito que eu e você somos – virou abrupta para Clara. – Você está desistindo?
- Sim. É mais fácil. E você?
- Vou continuar. Sempre faço isso. Continuo...
Pouco depois, Clara deixou o cemitério. Anelise enterrou a chave do seu quarto e escreveu na lápide: VENHA QUANDO QUISER. E se foi. Deixou-o descansar em paz.
Quando os jovens se reuniam para relembrar da banda Katrine, sempre tocavam a preferida de David. Nunca foi esquecido por nenhum de seus amigos. 
“SEMPRE ESTAREMOS JUNTOS. KATRINE.”

(Um lugar ao Sol, Anne Gomez.) 


sábado, 13 de agosto de 2011

M.T., prometo ser feliz!

M.T., eu prometo ser feliz!
Prometi isso e sabe o motivo? Porque você realmente me faz feliz. Juntei cada um dos momentos que passamos juntas e descobri que já sou feliz só de tê-la em minha vida. O mundo inteiro pode achar que nossa amizade é superficial ou que atrás do "eu te odeio" que tantas vezes ouviram você me dizer era um real eu te odeio, mas só nós sabemos que por trás dele há um imenso amor. Eles falam que do jeito que somos não dá pra entender nossa amizade, porém, não sentem o que eu sinto por você. O pior, não sentem o que você sente por mim! Coitados! Se tivessem uma M.T. na vida deles... ah, como seriam felizes como eu sou.
Eu te prometi que nunca mais vou deixar isso acontecer de novo e sabe por quê? Porque já levei três choques de realidade em minha vida. Há alguns anos, uma outra grande amiga me chamou de egoísta porque eu queria me tirar da vida dela. Hoje mais cedo, minha mãe me deu meu 2º choque de realidade ao falar que não corro atrás dos meus objetivos. E depois, você disse que ninguém ia gostar de mim se eu não gostasse. Depois desses 3 choques sabe o que penso? Que sou amada imensamente! E por isso, já sou feliz.
M.T., eu prometo ser feliz! 
Porque já sou... ao tê-la como uma amiga. Rimos juntas, choramos juntas, nos abraçamos, nos xingamos e quer saber? Se não tivesse sido com você com quem seria? Como eu iria passar os quatro últimos anos da minha vida? Caraca! Eu te amo muito e sou muito feliz ao seu lado (mesmo distantes). Quer saber? Temos facebook, orkut, messenger, twitter, mandamos sms mas só falando pessoalmente para acabar a saudade que tenho das nossas conversas.
M.T., eu prometo ser feliz! 
Amo você demais... Desculpa pelos momentos em que fui inútil na sua vida. Desculpa pelos momentos em que te deixei nervosa. Desculpa por qualquer coisa que eu tenha feito e que de alguma maneira te distanciou de mim.
"A verdadeira felicidade se constrói nos acidentes de percurso, na alternância dos eventos da vida." Augusto Cury.

Feliz dia do...


Pai,
Não existe mais o "pode ser", porque hoje somos Pai e Filha. Ainda não nos conhecemos, mas começamos a ser grandes amigos.
Pai,
Sei que daí você sente...
Mas tenha certeza de que "eu vou indo"
e pedindo que você venha mais uma vez.
Pai,
Já fiquei muda muitas vezes pra não te dizer que Eu te amo!

Pai,
Diga também que me ama.
E perdoa todo esse tempo inseguro, mas eu não sou "aquela criança", como diz... "Eu cresci e não houve outro jeito". Agora quero pedir, também, que venha aqui em casa e me faça rir das coisas bobas que sempre fez pra mim.
Pai,
"Você foi meu herói, meu bandido
Hoje é mais
Muito mais que um amigo".
Eu te amo! Feliz dia do... PAI!

A Sergio de Moura Gomes, meu pai.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

No final do arco-íris [4]


Nossa história parece incomum para a maioria das pessoas.
Tínhamos 20 anos, mas a Duda era mais responsável que eu. Éramos estudantes universitárias sem muito dinheiro, logo, tínhamos ajuda de nossos pais para nos sustentar. Bem, na verdade, ela tinha uma pensão deixada pelo seu pai – sua mãe não morava com ela (conosco) – e ainda trabalhava na faculdade de psicologia como monitora. Ganhava pouco, mas era mais que eu, e juntas conseguíamos sustentar a casa.
Enquanto eu, pobre Natasha, não falava com meu pai e a minha mãe chorava toda vez que eu ligava pedindo que depositasse logo meu dinheiro – essa parte do choro é, com certeza, de família – e Eduarda era do tipo independente.
Minha mãe insistia que eu voltasse para casa e deixasse toda aquela história de união para trás. Dizia que me aceitava com a Duda, mas no fundo tentava ser igual à mãe da Eduarda – que resolveu entender a opção da filha – para depois não a criticarem por ser careta. A Beca sempre aceitou o fato de eu me relacionar com uma mulher em vez de um homem, achava aquilo normal, mas para o resto da família não passava de um ultraje. Meu pai dizia que isso atrapalharia seus negócios, pois se relacionava com muita gente religiosa e era evangélico – dono de uma rede de óticas – e Samanta seguia seus passos no estilo mais preconceituoso de todos – ela era católica praticante e jurava que na bíblia estava escrito que Deus não aprovava uma união homossexual.
Há um ano resolvemos morar juntas porque, apesar do meu pai passar o dia fora, todos na casa – os empregados principalmente – comentavam do meu relacionamento com a Eduarda e isso o incomodava. Minha mãe nos defendia tentando convencê-lo de que aquilo era mais uma de minhas fases. Porém, não adiantou. Eu e ele brigávamos todos os dias e quando não era com ele, era com a Sam. Então resolvemos morar juntas, seria nosso espaço sem ninguém para criticar.

Suicídio Imaginário

"Há o suicídio imaginário (desejo de sumir, desejo de dormir e não acordar mais), o suicídio físico e o suicídio psíquico, refletido pelo alcoolismo, dependência de outras drogas, comportamentos autodestrutivos, auto-abandono." Augusto Cury.


Fechei a porta. Não queria ouvir as vozes que vinham lá de fora. Era aquilo que me fazia não querer viver. E eu já não vivia há tempo. Sei disso porque no reflexo meus olhos não tinham vida. Vagava pela casa, pela rua, por entre as pessoas. Eu era mais uma alma perdida. Perdi para a vida que decidiu não mais viver.
Fechei os olhos. Não queria ver as imagens que apareciam no espelho. Só o cérebro trabalhava. Ouvi dizer que ele quer sobreviver, mas eu não. Que pena não comandá-lo! A consciência não me deixava dormir. À mente vinham todas as conversas, todas as vozes, todas as imagens, todas as agressões (autoimpostas) sofridas. Eu só queria não viver.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

No final do arco-íris [3]


Ainda estávamos na cozinha.
Contava cada detalhe para Duda que mesmo com sono fazia um esforço para me escutar.
- E a Beca não estava lá? – perguntava sobre minha irmã.
- Ah, sabe como ela é. Saiu com um carinha super gato – falei coma boca cheia de pão e  queijo derretido numa liga entre minha boca e o sanduíche.
- Não bebeu muito, não é, Natasha? – perguntou preocupada. Sua mão tocava meu rosto carinhosamente.
Fiz uma cara de retidão.
- Desculpe, mas você nunca está lá para beber comigo... – fiz uma pausa. – Desculpe!
- Hum – ela fez um biquinho. – Prometo que da próxima vez estarei lá para te proteger desses cretinos que só querem te embebedar para que você seja a palhaça da vez.
Nós rimos alto.
- Psiu – ela fez.
- Você está sendo malvada comigo. E com eles – mordi o sanduíche novamente. – Mas eles merecem – falei com a boca cheia mais uma vez.
Ficamos conversando mais um pouco na cozinha e depois ela me forçou a tomar banho.
Confesso!
Estava cansada e queria dormir, mas a Duda sempre me convencia a fazer a coisa certa na hora certa. Depois do banho fui me deitar. Ela estava de olhos fechados.
- Tá dormindo? – perguntei me enfiando debaixo de sua coberta. O quarto estava frio, era inverno. Geralmente, ela usava uma colcha só para ela, pois me mecho demais à noite, mas hoje eu dormiria ainda mais colada nela. Estava com mais frio que nas outras noites por causa do banho gelado que havia tomado.
- Se você me deixasse dormir – ela abriu os olhos e ficamos ali olhando uma para a outra. Sorrisos singelos e cafunés e, depois de algum tempo, estávamos dormindo.


Nossa história parece incomum para a maioria das pessoas...