quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Não são fogos de artifício


Não era natal nem ano novo nem São João, mas todos corriam e se aglomeravam em volta de algo.  Escutei quatro estampidos que pareciam estar perto e ouvi as crianças que brincavam na rua gritarem, assustadas. Não sabia o que era. Fui até o portão e lá observei pessoas vindo de todos os lugares, as pessoas desciam dos ônibus e paravam junto às outras, vinham de bicicleta só para olhar o que os outros olhavam. Continuava no portão.
As crianças que antes corriam assustadas voltavam e vinham outras acompanhadas de suas mães. A curiosidade movia aquelas pessoas. Eu fui movida por ela e comecei a caminhar. Seguia, a passos lentos, o caminho que antes elas traçaram. Pessoas cochichavam segredos, verdades, sonhos... a vida em sussurros aos poucos era revelada. Minha antiga profissão me ensinou a escutar tudo e todos, observar tudo e todos para desvendar o que realmente acontecia por detrás das máscaras das mentiras.
Tinha tanta gente em volta que não sabia ainda o que poderia ser, mas fazia ideia por experiência de vida. Cada vez mais as pessoas vinham, cada vez mais as crianças vinham. Uma mãe e sua filha pararam do meu lado, a primeira não aparentava mais que 20 anos, a menor, cinco no máximo. A menina comentava: “Foi daqui que saiu os fogos, mamãe?”, a mãe balançava a cabeça num sinal positivo sem dar muita atenção.
Não pude ver o corpo que jazia no asfalto. Depois de ouvir tudo o que diziam, eis seu perfil biográfico: senhor de 40 a 50 anos, loiro; apelido: Alemão; estava sentado na calçada quando foi atingido cinco vezes, uma no peito e as outras na cabeça; tio de alguém que chorava entre a multidão. A polícia não chegou logo. O IML não se importou em se apressar. Cinco minutos depois de ser atingido, ainda respirava lentamente e as pessoas ao redor gritavam: “Chama a SAMU!” e continuavam a olhar sem mover sequer um músculo, além do coração.
Quanto a menina e sua mãe, escutei um último diálogo: “Sabe o que aconteceu?”, a mãe perguntava à uma outra mãe que também estava ali com sua filha. Quem respondeu foi a menina de cinco anos que gritava para sua coleguinha: “Não foram fogos. Foram tiros...”.

3 comentários:

  1. Acredita que até hoje não consegui postar um comentário sobre esse texto? O que pode ser dito depois do que a menininha disse? Vivemos a banalização da violência, vivemos a banalização de nós mesmos :\

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  2. Ainda bem que consegui passar essa banalização tão banalizante...

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