Não era natal nem ano
novo nem São João, mas todos corriam e se aglomeravam em volta de algo. Escutei quatro estampidos que pareciam estar
perto e ouvi as crianças que brincavam na rua gritarem, assustadas. Não sabia o
que era. Fui até o portão e lá observei pessoas vindo de todos os lugares, as
pessoas desciam dos ônibus e paravam junto às outras, vinham de bicicleta só
para olhar o que os outros olhavam. Continuava no portão.
As crianças que antes
corriam assustadas voltavam e vinham outras acompanhadas de suas mães. A
curiosidade movia aquelas pessoas. Eu fui movida por ela e comecei a caminhar.
Seguia, a passos lentos, o caminho que antes elas traçaram. Pessoas cochichavam
segredos, verdades, sonhos... a vida em sussurros aos poucos era revelada.
Minha antiga profissão me ensinou a escutar tudo e todos, observar tudo e todos
para desvendar o que realmente acontecia por detrás das máscaras das mentiras.
Tinha tanta gente em
volta que não sabia ainda o que poderia ser, mas fazia ideia por experiência de
vida. Cada vez mais as pessoas vinham, cada vez mais as crianças vinham. Uma
mãe e sua filha pararam do meu lado, a primeira não aparentava mais que 20
anos, a menor, cinco no máximo. A menina comentava: “Foi daqui que saiu os
fogos, mamãe?”, a mãe balançava a cabeça num sinal positivo sem dar muita
atenção.
Não pude ver o corpo
que jazia no asfalto. Depois de ouvir tudo o que diziam, eis seu perfil
biográfico: senhor de 40 a 50 anos, loiro; apelido: Alemão; estava sentado na
calçada quando foi atingido cinco vezes, uma no peito e as outras na cabeça;
tio de alguém que chorava entre a multidão. A polícia não chegou logo. O IML
não se importou em se apressar. Cinco minutos depois de ser atingido, ainda
respirava lentamente e as pessoas ao redor gritavam: “Chama a SAMU!” e
continuavam a olhar sem mover sequer um músculo, além do coração.
Quanto a menina e sua
mãe, escutei um último diálogo: “Sabe o que aconteceu?”, a mãe perguntava à uma
outra mãe que também estava ali com sua filha. Quem respondeu foi a menina de
cinco anos que gritava para sua coleguinha: “Não foram fogos. Foram tiros...”.
Acredita que até hoje não consegui postar um comentário sobre esse texto? O que pode ser dito depois do que a menininha disse? Vivemos a banalização da violência, vivemos a banalização de nós mesmos :\
ResponderExcluirConcordo com vc plenamente, Amanda.
ResponderExcluirAinda bem que consegui passar essa banalização tão banalizante...
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