Ouvi o som da porta.
Ouvi o som das vozes dos meus pais. O jogo havia terminado. Minha mãe parecia
orgulhosa do time que torceu. Meu pai não parecia chateado com a derrota.
Sentaram na cama. “Ela gostava tanto
quando o flamengo ganhava. Parecia que tinha vencido uma batalha contra mim.”,
disse sorrindo, um sorriso trêmulo. “Ela
gostava tanto desse lençol. Só porque foi com seu próprio dinheiro que comprou.”,
disse acariciando o lençol. Podia senti-los perto de mim. Sentia suas respirações.
“Onde ela pode estar?”, “Não se preocupe. Acho que ela pode nos ver.
Só quero que ela saiba que eu a amo muito e que todas as discussões me faziam
amá-la mais ainda.”, “Espero que ela
nos ouça mesmo porque nunca tive a oportunidade de dizê-la sobre o amor que
sinto por ela. Todos os contrários que sentíamos nos uniram de alguma maneira.”.
Conseguia senti-los mais ainda. Transmitiam paz. Eu sentia o amor que falavam.
Queria vê-los de novo, mas os olhos não obedeciam. “O que faremos com esse quarto?”, “Sinceramente, passei dias com medo de entrar. Hoje cedo vim e limpei
tudo. Por enquanto, deixamos assim.”, “Ela
não gostava dessas coisas jogadas. Não gostava de nada que não fosse
verdadeiramente importante.”, “Então
juntamos o que ela não gostava e deixamos aquilo de mais importante. Depois
doamos as coisas dela. Como saber do que ela gostava?”. Ouvi um roçar de
papeis. “Achei isso. Li as coisas que ela
escreveu antes de... Eu li.”.
Estranho poder senti-los e não os ouvir. Ouvi ao longe as últimas palavras
de ambos. “Nós te amamos, filha.”.
Consegui abrir os
olhos. Uma luz forte incidia sobre meu corpo. Não era cinza. O inverno havia
terminado. Eu flutuava. Era bom. Sem dor. Sem raiva.
Paz. Amor. Felicidade.