quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Inverno na Cidade


Parei de vagar pelo quarto. Estou deitada. Sempre deitada. Não sinto mais nada. Deve ser dormência. Não falo mais com ninguém há meses, não profiro nenhum som. Não ando mais por nenhum lugar. Não sinto mais meu corpo só a dormência de ficar deitada. Não sinto fome. Não sinto sede. Não abri os olhos hoje. Permiti-me que os músculos do rosto se retesassem num sorriso depois do meu último pensamento. “Acho que vivo como uma pessoa mor...”. Eu ainda ouço. E ouvi a porta se fechar. Era minha mãe. Sinto tanto sua falta.
Levantei. As pernas não atrofiaram. Abri os olhos e enxerguei o quarto cinza. Ainda! Gritei pela minha mãe, mas ela não voltou. Andei até a porta. Toquei a maçaneta. Girei-a e ela abriu. A luz forte do sol quase me cegou. Fechei-os instantaneamente. Voltei a abri-los. Tudo estava colorido. Sorri. Olhei meu corpo e ainda era cinza.
Vaguei até a sala. Ela e ele estavam lá. Assistiam ao jogo: vasco x flamengo - “Um clássico!”, pensei. Ela com a camisa do flamengo (nunca fizera isso) e ele com a do vasco. Esquisito estarem juntos daquele jeito. A televisão... Aquele tubo que projetava luzes coloridas capazes de refletir cor na casa inteira não me atingia. Eu ainda era cinza. Quis ser notada. Quero ser notada.
Fiquei enfurecida com o respeito que a televisão impunha neles. Gritei e não fizeram questão. Entrei na frente da TV e eles não me viram. Ainda podia ver a luz colorida do reflexo do jogo em seus olhos. Eu não existia. Pulei. Dancei. Tentei fazer tudo para que me vissem. Nada adiantou. Um pensamento voltou à mente: “Acho que vivo como uma pessoa mor...”.
Flutuei por cada canto da casa. O quarto deles. A cozinha. O banheiro. Tinha fotos minhas espalhadas pela casa toda. Eu sorrindo. Eu ainda criança. Eu chorando. Eu emburrada. Eu enlameada. Eu colando grau. Eu entrando na faculdade. Eu. Eu. Eu. Eu. Eu. Eu. Na sala, novamente, notei um porta retrato entre suas poltronas. Tinha três fotos. Uma grande no centro onde estávamos reunidos num piquenique. Outras duas pequenas de quando era bebê na primeira infância.
Não existia lágrima. Mas quis chorar. Voltei flutuando magicamente até meu quarto. Ainda estava cinza. Não conseguia me permitir afirmar estar mor... Deitei na cama. O cansaço veio. Não consegui impedir que meus olhos não fechassem. Num instante, meus braços estavam por sobre meu peito. Havia paz...

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