Eu não sabia o que fazer
naquela situação. O silêncio aparentemente acinzentado, como a luz solar,
começava a me (ou nos) constranger. Cada dia que passava nos olhávamos menos.
Minha mãe quase não saía do quarto, meu pai passava o dia deitado no sofá. Ela
só saía para assistir a televisão. Eu vagava pela casa como um fantasma
tentando descobrir a razão do leve tom cinza das coisas ao redor.
Da última vez em que fui me
olhar no espelho não reparei em mim, observei apenas mais um sorriso escondido
da minha mãe refletido no espelho. Fazia-me tão bem olhar aquilo. Uma onda de
paz percorria meu corpo cada vez que ela entrava no meu quarto e sorria aquele
sorriso escondido ao observar minha cama. Todos os dias ela repetia o ato.
Parecia ser o único momento de amor que restara depois de tantas brigas.
Nunca mais falei com meu
pai. Parece que finalmente o que sempre achei que sentia fazia sentido. Não
tínhamos ligação alguma. Éramos a antítese perfeita: ele vasco, eu flamengo; ele da direita política, eu da esquerda; ele a favor dos protagonistas, eu dos vilões; ele falava qualquer coisa
que eu discordaria no ato. Agora,
nesse inverno cinza, nos afastamos de vez e isso é bom.
A vida lá fora não existia
mais. Deixei meu café predileto e minha padaria predileta. Acho que nem como
mais. Para não atrofiar os músculos das pernas, ando vagando pela casa. Quarto.
Sala. Banheiro. Quarto. Sala. Banheiro. Quarto. Sala. Quarto. Sala. Quarto.
Sala. Quarto. Sala. Só meu pai fica na sala. Quarto. Quarto. Quarto. Só vejo
minha mãe quando ela vem à noite olhar mais uma vez meu lençol cinza.
Deitada na cama à noite,
eu não consigo dormir. Nunca mais consegui dormir. Fico tentando descobrir o
motivo do cinza. Tudo é cinza. Deve
ser esse inverno, mas ele está demorando a passar. Na verdade, nunca me liguei
muito nas estações do ano. Não entendo as quatro estações. Procurei livros
sobre inverno, mas não acho. Meu acesso à internet não é mais possível porque
não acho meu computador. Fico vagando pelo quarto, de um lado para o outro.
Há dias não vejo minha
mãe. Não quero ir até a sala e encontrar meu pai. Não vejo ninguém há dias e
tenho medo de atrofiar minha visão. Só vejo objetos. Aliás, a vida é tão
superficial quanto minha visão de agora. Tenho medo de cegar. Tenho medo de não
ver minha mãe. Tenho medo de tentar me ver no espelho. Olho para o chão e ele
está cinza. Tenho medo.
A poeira está ligeiramente
cinza. A janela permanece fechada, mas pela fresta consigo ver raios
acinzentados do sol. Por que tudo é
cinza? Por quê? O lençol, a cama, o chão, os móveis, as paredes, a cadeira,
cada minúsculo objeto jogado no chão são cinzas. Será que apenas eu vejo assim?
Talvez tenha crescido uma película fina na frente dos meus olhos e eu fiquei
assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário