sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Inverno na Cidade


O inverno está diferente este ano. Mais frio. Mais cinza. Sem cor. Sem vida...
Quem disse que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo?

Minha casa está sempre vazia, sem amor, sem carinho, sem esperança. 
As luzes permaneciam apagadas – o que nos favorecia, assim não tínhamos que ser obrigados a nos falar se não nos víssemos. Havíamos chegado de um enterro e os olhares fúnebres e distantes permaneciam no semblante. Usávamos cinza ao invés de preto. Tudo era cinza.
Fui para o meu quarto. Hoje não quis me olhar no espelho. Deitei na cama e sorri ao tocar no lençol cinza. “Que inverno!”, pensei. Minha mãe abriu a porta e olhou o lençol, retorceu o canto do lábio num sorriso escondido, mas não nos falamos.
Tem sido assim ultimamente: nenhuma palavra trocada. Isso começou com nossa última discussão, não lembro como se iniciou, mas lembro de cada palavra jogada ao vento, cada lágrima rolada e toda ofensa proferida. Meu pai não se envolveu, ele nunca se envolve, assistia ao futebol: vasco x flamengo - “Um clássico!”, disse. Depois só o silêncio.
Não tenho irmãos, nem amigos, só algumas pessoas a quem retribuo educação. Todos dizem que sou antissocial, mas apenas não “curto” conversas banais, só “curto” escrever... Pareço ser mais observadora, por isso, percebi o inverno diferente. As flores, no enterro, também eram cinzas. Tudo é cinza.
Larguei a faculdade há um ano. Meus pais pegam no meu pé por causa disso. Eles não entendem que já havia me alienado demais na última década escolar, não suportava mais os conceitos impostos pela “casta” superior na hierarquia educacional. Descobri que estudar ciências políticas não era para uma garota como eu. Queria recomeçar a sonhar meus sonhos como fazia na infância. Para falar a verdade, descobri mais ainda: os sonhos dos meus pais são vazios, uma caixa de Pandora sem nenhum sentimento resgatado. Talvez seja por isso que sejamos tão diferentes e brigamos tanto...
Acordei cedo e fui tomar café-da-manhã na minha padaria preferida. Foi difícil escolher entre pão cinza e bolo cinza. Tomei apenas um café “... e preto e quente...” que nada! Tudo é cinza. “Preferia estar em ‘João e Maria’ e comer delícias coloridas”, mas não me permiti ficar animada e deixar a criatividade fluir. Fui pagar o café cinza e o conhecido operador do caixa mal olhou para mim. Deixei os trocados no balcão e voei até minha casa. Meus pais permaneciam do mesmo modo quando saí: ela sentada na varanda, ele, deitado no sofá. Nenhuma palavra trocada. A luz do sol era aparentemente cinza. Tudo era cinza.

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