sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A imaginária vida de Anne


Minha velhice. Não casei. Não tive filhos. Não tive netos. Envelheci sozinha. No mesmo apartamento. Trabalhando para a mesma editora. Eu continuava a mesma com algumas rugas a mais, algumas rusgas também. A família foi morrendo aos poucos como toda pessoa que fecha um ciclo de vida. Novos familiares foram surgindo, mas não os conheci. Não voltei à clínica, não voltei aos remédios, não voltei ao terapeuta. Afinal, depois de tantos anos a gente aprende como viver sozinha sem precisar da ajuda de ninguém.
Adoeci várias vezes. Tenho problemas estomacais desde a juventude. Tomar café, e só café, por um dia inteiro tem consequências. Voltei do hospital com o último exame. “Câncer no estômago”, falei alto e aquilo ecoou pela casa toda. Não procurei amigos nem família, sempre estiveram ocupadas demais com suas vidas, suas histórias.
Não tinha o que reclamar sobre esse fim. Eu, depois de tudo, vivi. Aprendi a viver na verdade. Não reclamo da infância, da adolescência, da juventude nem mesmo da velhice com problemas de saúde. “É. Enfim, eu sou doente”, disse sorrindo. Nunca quis envelhecer. Não tinha pretensão de chegar à velhice. Estou aqui. Criei muitos personagens, escrevi muitas histórias. Escrevi minha história. Minha velhice fez-me contar a minha grande verdade: sou doente.

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