segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A imaginária vida de Anne


Amassei mais uma folha de papel. Todas as palavras que nela continham já estavam riscadas ou interminadas. “Como isso está acontecendo comigo?”, nos últimos três meses fazia-me essa mesma pergunta. Não saía de casa na esperança de poder achar alguma palavra dentro da mente e pô-la no papel. Quando vinham me chamar novamente, bocejava e respondia estar cansada e com sono. Cansada de quê? De não conseguir mais fazer a única coisa que me fazia sentir que estava viva? Sono? Não era uma ardência nos olhos de tanto chorar?
A cesta estava tão cheia que os papeis amassados começavam a cair. A casa estava cheia de vazio. O pó dos móveis era minha companhia. As fotos pareciam irreconhecíveis sob as teias das aranhas. Detesto aranhas, por isso, continuava no quarto. Levei a cafeteira para lá e fiz do lugar meu refúgio. Da última vez que saí de casa não me olhei no espelho e não sabia o estado que estava e fui comprar minha droga predileta: cafeína. Ao chegar, me olhei no reflexo do portão. Sorri tristemente constatando o motivo das pessoas tanto me olharem na rua.
“Três meses”, continuava a falar sozinha. Eu gritava, na verdade. “Como isso está acontecendo comigo?” Eu vivia disso. Psicologicamente era minha terapia. Financeiramente, meu sustento. As palavras fugiram, nem elas conseguiram suportar a solidão e a umidade da casa... e a minha. Havia pedido para trabalhar em casa numa maneira de me proteger dos males do mundo e agora descobri que sem o mundo o mal ainda me acompanha.
Não conseguia nenhum manuscrito meu. Fui até minha máquina de escrever predileta que ganhei de presenta da minha mãe depois de garantir o primeiro lugar num concurso de contos, mas foi em vão. No computador foi pior ainda: detesto escrever nele porque a página em branco me assombra. Nem ao menos uma mensagem no celular conseguia escrever. Pensei em gravar meus pensamentos depois que passassem pelos meus lábios, mas calei-me.
Dormi. Acordei. Tomei café. Traguei meio cigarro. Tomei café. Tentei aliviar o corpo num banho gelado e demorado. Porém, o corpo está acostumado com essa vida, mas a mente não. Pensei em voltar a tomar meus remédios. Se eu fizesse aquilo, teria que voltar à clínica. Detesto consultas psiquiátricas. Fechei os olhos, pelo menos assim eu poderia voltar a viver como sempre imaginei que vivia.

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